O Intensivismo foi um movimento literário precursor da Poesia Concreta e de outras manifestações de vanguarda. Aconteceu em Cuiabá-MT, no início da década de 1950. Seu mentor foi Wlademir Dias Pino. Participaram com ele, inicialmente, Benedito Sant’Ana da Silva Freire, Rubens de Mendonça e Othoniel Silva. Depois, aproximaram-se do movimento Geraldo Dias da Cruz, José Lobo, Lopes de Brito, Newton Alfredo, Amália Verlangieri, Agenor Ferreira Leão e Antonio Costa. Posteriormente, Wlademir também liderou e integrou outros movimentos de vanguarda, como a Poesia Concreta, o Poema Conceito, o Poema Processo, a Arte Postal e, recentemente, em suporte digital, produziu Poemas sem Palavras (Contrapoemas e Infopoemas).

Em 1948, Dias Pino começou a divulgar xilogravuras de sua autoria, já com linguagem avançada para a época, que tiveram grande repercussão local. Na ocasião, o escritor cuiabano João Antonio Neto comentou que estavam tendo uma enorme aceitação, pelas revelações do talento que evidenciavam, e que Wlademir era “a mais original formação mental da nova geração mato-grossense” (NOVO MUNDO, 1950, p. 8).

A xilografia necessita de um tipo específico de madeira seca para a impressão das imagens, coisa que não havia em Cuiabá. As dificuldades eram enormes e Wlademir, inúmeras vezes, lançou mão de muita criatividade para conseguir publicar poemas em linguagem inovadora, inventando e improvisando suportes. No caso, chegou a utilizar papelão em substituição à madeira. Para uma mesma impressão, era necessário produzir várias matrizes, pois o papel amolecia quando se embebia de tinta, e já não servia como carimbo.

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 Algumas xilogravuras de Wlademir Dias Pino.

 

Os primeiros periódicos intensivistas e as dificuldades de se publicar

Desde os anos 1940, individualmente, quando conseguiam recursos (materializar um livro era muito difícil, pois não havia editoras em Mato Grosso, o papel ela caro e raro), os poetas, modernistas ou não, lançavam suas obras. Assim, aos 14 anos de idade, Wlademir publicou A fome dos lados (1940) e, no ano seguinte, A máquina que ri (1941), o que atesta grande inteligência e maturidade prematura, dada a complexidade da linguagem e liberdade formal desses livros.

O corriqueiro era divulgarem suas produções em jornais locais e nacionais, de modo esporádico. Acompanhando-as, percebe-se que a maioria dos autores intensivistas provinha de uma tradição romântico-parnasiana e que, a partir do contato com Wlademir e da leitura atenta de escritores, sobretudo simbolistas e modernistas, começou a produzir também poemas modernistas, alinhando-se com Dias Pino, o único da turma a defender, heroicamente, o front vanguardista. Eles oscilaram entre escolas literárias por toda a vida, dependendo de com quem se associavam, exceto Silva Freire, mais próximo de Wlademir (inclusive apelidados de 'Cosme e Damião), que desenvolveu um estilo próprio, de temática telúrica voltada à cultura e paisagem cuiabanas, expresso através de blocos poemáticos, formalmente alinhado ao Concretismo. Explica-se: Cuiabá era uma cidade pequena, interiorana, e era restrito o círculo de intelectuais com quem conviver e produzir Literatura. Quando estudaram no Rio, Wlademir e Silva Freire viajaram muito. Na brecha das ausências, os responsáveis pelos jornais literários divulgaram as produções dos escritores tradicionais (eram todos amigos), mesclando-as às dos intensivistas, provavelmente tentando atraí-los à nova estética, porém, de certo modo, comprometendo a radicalidade da postura de vanguarda firmemente defendida por Dias Pino. Essa oscilação é visível nos periódicos, por isso é importante lê-los buscando o que tornou o Intensivismo uma das raízes da vanguarda literária internacional.

Os manifestos eram noticiados a conta-gotas nos jornais literários que produziam, cujo nome estrategicamente sempre mudava, refletindo a inquietação experimental dessa geração e espelhando seus avanços.

Wlademir e Freire criaram O Arauto de Juvenília (1949-1951), cuja função inicial foi de sondagem e que preparou lentamente o ambiente para a ‘Festa dos Novos’, que aconteceu no dia 22.07.1951 na Academia Mato-grossense de Letras, em Cuiabá-MT, um evento que se tornou marco decisivo na separação entre os jovens modernistas e os acadêmicos defensores do programa instituído por Dom Aquino Corrêa e José de Mesquita, tendo como sede e polo difusor da cultura e literatura local a Academia Mato-grossense de Letras. Aquino-Mesquita, líderes da geração anterior, defendiam uma estética de cunho mais romântico-parnasiano. Na Festa, foi lançado o ‘Manifesto Intensivista’, anunciando uma nova ordem literária que se colocava contra os dogmas do academicismo reinante em Mato Grosso.

Essa tensão provocou uma trincheira separando os poetas conhecidos como “os novos” dos acadêmicos “tradicionais”.

Depois, vieram Sacy [195-], e Sarã (1951-[195-]). Os periódicos intensivistas foram os primeiros no Estado ilustrados com xilogravuras em impressões sobrepostas e coloridas, inclusive trazendo várias inovações para uma tipografia mais viva. Ao lado de Sarã surgiu Ganga (1951-1952), organizada por João Antonio Neto, Rubens de Castro e Agenor Ferreira Leão, esteticamente de perfil mais conservador, porém importante, porque divulgou os textos de múltiplos escritores mato-grossenses, tradicionais e novos, ofertando um verdadeiro painel da produção poética regional no período. Posteriormente, no Rio Silva Freire lançou Japa (1953), numa única edição, com a intenção de divulgar os poetas mato-grossenses junto aos modernistas nacionais.

 

Tempos de Faculdade: entre Cuiabá e Rio de Janeiro

A dupla Dias Pino e Silva Freire foram fazer faculdade no Rio. Nessa fase, cheios de dinamismo, apareceram em Cuiabá-MT Geraldo Dias da Cruz, José Lobo e Lopes de Brito, que imediatamente fizeram circular o suplemento literário Tribuna das Letras do jornal O Estado de Mato Grosso, desenvolvendo o trabalho preparatório do qual resultou o evento ‘Alguma Poesia dentro da Noite’, no Cine Teatro Cuiabá, em homenagem póstuma a Jorge de Lima, somente com “gente nova”. Silva Freire e Wlademir criaram, no Rio, um novo suplemento para o jornal O Roteiro Mato-grossense, órgão oficial da Associação Mato-grossense de Estudantes Universitários.

Em fins de 1951, era importante que surgisse uma editora própria do movimento. Ao compreender que os jovens modernistas, mesmo sem saber, criaram entre si um clima de confiança a ponto de se plagiarem, e que a afinidade de ideias num grupo artístico cria, naturalmente, uma “panelinha”, Wlademir sugeriu o nome de “Igrejinha” para sua editora, que às vezes figurava como “Sarã” ou mesmo “Saci”.

Pelas Edições Igrejinha, foram lançados, de Wlademir Dias Pino: Os corcundas (1954), A máquina (ou a coisa em si) (1955), A ave (1956) e Poema espacional (1957). Do poeta Geraldo Dias da Cruz, foram publicados: Poemas (1955) e Mural submerso. De Silva Freire, Paisagem além do homem. Poemas, de José Lobo; e Estrela de sangue, de Lopes de Brito. De Rubens de Mendonça, Dom Pôr do Sol (Sarã, 1954), entre outros.

 

Principais características do Intensivismo

Dentre as características do Intensivismo, destacam-se:

1. a separação entre leitura e escrita, valorizando mais a primeira; e entre escrever e inscrever, com foco na visualidade da inscrição/escritura, desde a construção de imagens insólitas até a exploração consciente de texturas de suporte na página do livro, numa porosa absorção telúrica da paisagem e da cultura de Mato Grosso.

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A pedra-canga e o corte em V da seringueira inspirando texturas no layout das páginas.

 

O texto literário é constituído de imagens poéticas. Ao produzi-lo ou lê-lo, ao lidar com essas imagens, percebe-se que elas se interligam por vias nada usuais, por isso os intensivistas conscientemente as valorizaram e, de modo experimental, exploraram sua superposição por colagens. No início, através apenas da palavra. Wlademir foi o único a avançar para a colagem mista – palavras e imagens –, e depois apenas imagens, até sua fragmentação.

Com a utilização do computador, conscientizou-se da distinção entre cor e luz (tinta e pixels), até a descoberta dos fractais, pelos quais se encantou sobremaneira, o que evidencia uma longa trajetória, histórica e criativa, na utilização dos suportes disponíveis: papel, máquina de datilografia, computador e celular, expressando-se, primeiro, através de palavras; depois, palavras e imagens; até a pura imagem – todas com suas fragmentações e reconexões inusitadas.

 

2. a abolição do enredo e do caráter anedótico do poema, propondo sua unidade interior e vocabular, criando textos desmontáveis. Para conseguir a movimentação, já que não havia personagens, era necessário que os versos mantivessem unidade e, ao mesmo tempo, independência entre si, como por exemplo:

 

Mãos negras decepadas

gestos da morte

cabeleiras de rugas

lençóis cobertos de nódoas

sonâmbulo clima

queda das sombras. . .

           Wlademir Dias Pino

 

Isso permite liberdade de leitura e diagramação, uma vez que tanto faz a ordem dos versos no poema. Eles podem ser quebrados e misturados na página.

Portanto, desde 1951, em Cuiabá-MT, os intensivistas já se dedicavam à exploração de possibilidades de grafias – alterações sintáticas com versos independentes entre si para que houvesse maior mobilidade interior no texto sobre o papel em branco, manipulado de forma distinta da usual, com explosão gráfica do verso e, posteriormente, da palavra e da imagem, além de outras invenções.

Uma vez no Rio de Janeiro, como estudantes universitários, Wlademir e Silva Freire trocaram experiências e ideias com poetas de outras partes do Brasil, que vinham repensando a Literatura e criando numa direção semelhante; e também com artistas plásticos, que na época mostravam grande representatividade no país. Ambos participaram ativamente da Poesia Concreta. Wlademir prosseguiu com o Poema Processo, Poema Conceito e, mais recentemente, criou Contrapoemas e Anfipoemas, em suporte digital.

Em Mato Grosso, há um número considerável de escritores e artistas gráficos que reconhecem a importância de terem conhecido e convivido com os intensivistas, principalmente Dias Pino e Silva Freire, especialmente na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Por exemplo, Wilson A. Coutinho, nos anos 1970, e Juliano Lobato, a partir da década de 1990, fundamentaram suas obras em diálogo com as conquistas estéticas dos intensivistas e seus desdobramentos na modernidade e contemporaneidade. O poeta Aclyse Mattos também flerta com esta geração de poetas singulares.

 

 

 

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Cristina Campos

Organizadora